Novidades…
Crônica / Matéria: Encontro com Doutor Marco Bobbio
Encontro e entrega do livro da Antologia Médicos Poetas com Dottore Marco Bobbio, cardiologista, presidente do movimento Slow Medicine na Itália.
10 de outubro de 2024. Torino, Itália.
Por Milena Felitte, terapeuta ocupacional (Brasil), Operatrice Socio-Sanitaria (Itália). Embaixadora do Movimento Médicos Poetas na Itália. Co-autora na Antologia Médicos Poetas.
—

No final da minha faculdade (lá em 2009) eu descobri o que era a filosofia Slow Medicine e decidi que independente da área em que fosse atuar, seguiria essa ideia. O nome Marco Bobbio já tinha aparecido para mim em meio a tantos artigos que eu lia, junto com tantos outros nomes admiráveis. Era algo distante, lindo, quase utópico, mas que caía como uma luva para um recém-formada cheia de vontade de “fazer a diferença no mundo”.
Meu primeiro caminho foi em Cuidados Paliativos e tudo se encaixava.
Depois construí meu castelo na Psiquiatria de alta complexidade e tudo fazia sentido.
Minha carreira toda no Brasil foi permeada por atendimento a adolescentes, adultos e idosos, alguns com chance de cura, mas em maioria sempre me interessei pela turma dos crônicos e com prognóstico difícil. Minha promessa pessoal sempre foi: o dia em que eu não pudesse mais fazer um atendimento humano centralizado no paciente e não na doença, na potencialidade e não na incapacidade eu abandonaria a área da saúde.
Aqui na Itália meu percurso não tem sido muito diferente, senão o fato de que estou conhecendo melhor o mundo da deficiência física e intelectual e incluindo ela no meu escopo de experiência e confesso que tem sido uma descoberta muito agradável.
Além disso, por aqui saio um pouco do âmbito de institucionalização hospitalar para viver atendimentos domiciliares e de reinserção social, que funciona bem por aqui.
O Dr. Massimo Colombini, presidente e fundador do movimento Médicos Poetas conheceu o Dr. Marco Bobbio em 2018 quando veio à Itália participar de um congresso como representante oficial do Slow Medicine Brasil. A conexão extrapolou o âmbito profissional e eles tornaram-se amigos desde então.
Por uma obra linda do destino e dessas interações incríveis que a vida se encarrega de fazer, o Dr. Massimo me inseriu nesse contexto e hoje tive a honra de conhecer e entregar a nossa recém-lançada Antologia dos Médicos Poetas, nas mãos do Doutor Marco Bobbio, cardiologista que dispensa apresentações (se você não conhece quem ele é, peço a gentileza de dar um Google porque vale a pena. Mas o que posso adiantar é que ele é um dos maiores nomes da medicina respeitosa no mundo. Foi pesquisador por anos em várias e deixou importantes legados principalmente no Brasil e nos Estados Unidos. Escritor de infinitos artigos sobre o tema Slow Medicine e autor de livros belíssimos, com destaque para o “Troppa Medicina” que é fantástico. Foi diretor e responsável pelo setor de transplante de coração em Torino por 15 anos. Atuou na pandemia de forma primorosa, mesmo já aposentado. Como se não bastasse, ainda exerce o cargo de presidente do movimento Slow Medicine aqui na Itália.
Apesar de tudo isso, conhecê-lo de forma tão humana me manteve calma e segura.
Mantive a fluência no italiano. Consegui manter minha espontaneidade sem timidez.
Fiz a dedicatória na frente dele com firmeza na caneta e na mão.
Me senti preparada e vesti meu melhor sorriso, porque só eu sei como esperei anos para viver um momento como esse, para me conectar com pessoas como esse médico, que há mais de 40 anos se dedica a melhorar a vida dos outros, através de uma medicina individualizada, sóbria, justa e respeitosa.
Conversamos, rimos, nos abraçamos e a conexão foi imediata.
Eu o reverenciei, como se era esperado fazer quando se admira alguém.
Comentei o tamanho da minha honra.
A resposta dele foi uma sucessão de gestos humildes, simpáticos e humanizados a ponto da curva do tempo, da cultura, da geração, da formação e até das experiências ter ficado pequena diante do propósito em comum com o qual trabalhamos.

Aqui vai uma curiosidade: ele é fascinado pelo Brasil e já esteve 7 vezes em terras brazucas de Recife à Porto Alegre associando trabalho e turismo. Enaltece nossas belezas como obras de Deus ao invés de criticar nossas mazelas. Não há a menor chance de não ser uma pessoa maravilhosa, alguém que leu Jorge Amado e tem como o Pelourinho o seu lugar favorito. Assim sendo, fica fácil se dar bem com uma brasileira.
Eu, por minha vez, amo, respeito e honro a Itália. Escolhi recomeçar, viver, trabalhar e ser feliz aqui não só porque meu sangue é ítalo-brasileiro, mas também porque minha razão e emoção aqui me dão sensação de pertencimento, como se eu tivesse aqui aprendido com o tempo a existir de forma livre e portanto, sou a típica “brasileira mais italiana que eles conhecem”. E está estampado na minha testa o quanto agora é certeza que é aqui que eu deveria e gostaria de estar. Assim sendo, fica fácil ser acolhida por um italiano.
Estou contando esses detalhes não só porque acho bonito essa fusão e respeito entre diferentes nacionalidades mas principalmente porque acho mágico a conexão e admiração que alguns países têm entre si e neste sentido, sempre me deparo com um vínculo bonito entre Brasil e Itália. Demorou um pouco para eu me perceber isso, mas quando me relaxei, tudo pareceu se acomodar. Parece que sabemos apreciar nossas familiaridades com ternura e cadência.
Ter esse tipo de experiência é expandir a nossa consciência sobre nós e sobre o mundo e voltando ao encontro, Doutor Marco nos parabenizou pela publicação, olhou e apreciou o livro sem pressa e com atenção. Agradeceu a nossa consideração com ele e revelou a alegria de estarmos conectados na mesma proposta. Sorriu ao ver as fotos. Me perguntou sobre alguns autores. Demonstrou interesse e admiração. Se emocionou quando fiz a dedicatória em italiano na frente dele. Era o mínimo de respeito.

A devolutiva dele, no entanto, me fez cair na emoção.
Em sinal de carinho ele tentou ler (em português) o primeiro parágrafo de umas minhas publicações que está no livro.
A escolhida foi a crônica “Canhota”, onde eu falo justamente da minha paixão pelo o que faço… inclusive esse é o texto de entrada no meu livro Deixando Claro, também recém publicado.

Nada é por acaso.
E tudo faz muito sentido.
Obrigada ao Movimentos Médicos Poetas e a todos os envolvidos por me darem a oportunidade de viver isso como Embaixadora. Eu sou muito grata e orgulhosa.
E obrigada principalmente Dr. Massimo, pela responsabilidade para fazer esse contato e essa fusão. Obrigada do fundo do meu coração por me dar autonomia e confiar no meu trabalho, postura e conduta.
Eu sempre lembrarei!
A versão resumida desta crônica (em italiano) também está disponível no meu instagram @meurecadopelomundo e compartilhado no perfil dos @medicospoetas.